domingo, 19 de abril de 2009

Reféns do celular

Por diversas vezes discutimos em sala de aula o poder que o celular tem sobre nós e a forma como nos tornamos dependentes dele. Diante desse quadro, Walcyr Carrasco escreveu a crônica abaixo para a Veja São Paulo da semana retrasada (edição de 8 de abril) que mostra na prática todo esse vínculo que criamos com o aparelho. Interessante notar que as situações são incrivelmente verdadeiras e que já não temos mais como fugir delas.

Gabriela Pio


A vida sem celular*

O inevitável aconteceu: perdi meu celular. Estava no bolso da calça. Voltei do Rio de Janeiro, peguei um taxi no aeroporto. Deve ter caído no banco e não percebi. Tentei ligar para o meu próprio número. Deu caixa postal. Provavelmente eu o desliguei no embarque e esqueci de ativá-lo novamente. Meu quarto parece uma trincheira de guerra de tanto procurá-lo. Agora me rendo? Sou um homem sem celular.
O primeiro sentimento é de pânico. Como vou falar com meus amigos? Como vão me encontrar? Estou desconectado do mundo, nunca botei minha agenda em programa de computador, para simplesmente recarregá-la em um novo aparelho. Será árduo garimpar os números da família, amigos, contatos profissionais. E se alguém me ligar com um assunto importante? A insegurança é total.
Reflito. Podem me achar pelo telefone fixo. Meus amigos me encontrarão, pois são meus amigos. Eu os buscarei, é óbvio. Então por que tanto terror?
Há alguns anos – nem tantos assim – ninguém tinha celular. A implantação demorou por aqui, em relação a outros países. E a vida seguia. Se alguém precisasse falar comigo, deixava recado. Depois eu chamava de volta. Se estivesse aguardando um trabalho. Por exemplo, ficava esperto. Ligava perguntando se havia novidades; muitas coisas demoravam para acontecer. Mas as pessoas contavam com essa demora. Não era realmente ruim.
Saía tranqüilo, sem risco de que me encontrassem a qualquer momento, por qualquer bobagem. A maior parte das pessoas vê urgência onde absolutamente não há. Ligam afobadas para fazer uma pergunta qualquer. Se não chamo de volta, até se ofendem.
- Eu estava no cinema, depois fui jantar, bater papo.
- É... Mas podia ter ligado!
Como dizer que podia, mas não queria?
Vejo motoristas de táxi tentando se desvencilhar de um telefonema.
- Agora não posso falar, estou dirigindo.
- Só mais uma coisinha...
Fico apavorado no banco enquanto ele faz curvas e curvas, uma única mão no volante. Muita gente não consegue desligar mesmo quando se explica ser impossível falar. Dá um nervoso!
A maioria dos chefes sente-se no direito de ligar para o subordinado a qualquer hora. Noites, fins de semana, tudo submergiu numa contínua atividade profissional. No relacionamento pessoal ocorre o mesmo.
- Onde você está? Estou ouvindo uma farra aí atrás.
- Vendo televisão! É um comercial de cerveja!
Um amigo se recusa a ter celular.
- Fico mais livre.
Às vezes um colega de trabalho reclama:
- Precisava falar com você, mas não te achei.
- Não era para achar mesmo.
Há quem desfrute o melhor. Conheço uma representante de vendas que trabalha na praia durante o verão. Enquanto torra ao sol, compra, vende, negocia. Mas, às vezes, quando está para fechar o negócio mais importante do mês, o aparelho fica fora de área. Ela quase enlouquece!
Pois é. O celular costuma ficar fora de área nos momentos mais terríveis. Parece que de propósito! Como em um recente acidente automobilístico que me aconteceu. Eu estava bem, mas precisava falar com a seguradora. O carro em uma rua movimentada. E o celular mudo! Quase pirei! E quando descarrega no melhor do papo, ou, pior, no meio da briga, dando a impressão de que desliguei na cara?
Na minha infância, não tinha nem telefone em casa. Agora não suporto a idéia de passar um dia desconectado. É incrível como o mundo moderno cria necessidade. Viver conectado virou vício. Talvez o dia a dia fosse mais calmo sem celular. Mas vou correndo comprar um novo!

*por Walcyr Carrasco

3 comentários:

  1. "Nós criamos um monstro".

    Essa frase não parece encaixar direitinho com esse texto?
    Ao mesmo tempo que o Celular e outras tecnologias tem o seu lado positivo e util, se parece também muitas vezes com um monstro, ficamos amarrados a esses meios, ao celular, ao MSN, a internet, aos e-mails, não podemos ficar um dia sem entrar na caixa de e-mail para saber se alguém nos escreveu, não ficamos um dia sem o nosso celular sem pensar se alguém nos ligou, tão util quando precisamos nos comunicar, tão util quando precisamos ser encontrados, mas tão assustador quando não queremos ser encontrados quando queremos apenas PAZ.
    É, de fato, se tornou um vicio.

    s2 Nayelen s2

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  2. Muito bom esse texto Gabi! Obrigada por compartilhar! É exatamente o que acontece conosco... virou um vício mesmo.

    Analina Arouche

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  3. Essa é a era da vigília constante...máquinas de vigiar.. e punir.

    Você deveria ter escrito um texto sobre o tema..

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