segunda-feira, 18 de maio de 2009

Literatura no celular vira febre no Japão

A ficção de celular virou um fenômeno de venda de livros no Japão. E agora ganha adeptos entre brasileiros


Ele é simples, gostoso de ler e fácil de carregar. Além de tudo, vende muito. Não se trata de um novo livro, e sim de seu celular. Depois da fotografia, da internet e da música, chegou a vez de a literatura invadir a telefonia móvel, na forma e velocidade de um torpedo. A ideia é um sucesso vindo do Japão. Os “romances de celular” (em japonês, keitai shosetsu) fizeram cinco em cada dez best-sellers do país em 2007. Foram temas de mangás, filmes e telenovelas. E a onda está ganhando adeptos no Brasil. A nova modalidade literária não dá espaço para Josés Saramagos, Mias Coutos e assemelhados. As frases são curtas, os textos não passam de 120 caracteres. É uma linguagem... telegráfica, como diriam os modernistas. Além disso, caso o leitor não goste, pode deletar os romances sem remorso. O fenômeno pegou entre as adolescentes, que escreviam anonimamente sobre suas experiências. Os capítulos eram curtos e podiam ser acessados por celular. As confidências viraram febre entre as garotas. Apesar disso, o primeiro romance de celular foi criado por um homem. Em 2000, um rapaz de codinome Yoshi, de Tóquio, passou a observar os estilos de vida de jovens em seu bairro. Teve então a ideia de escrever Deep Love (Amor Profundo), um romance sobre o dia a dia de jovens em Tóquio, e publicá-lo num site para celular. Nove anos depois, o Japão já tem mais de 1 milhão de textos desse tipo só no maior site, o Maho i-Land.

A fama do keitai shosetsu no Japão se deve a três fatores. O primeiro é a popularidade do celular. Uma pesquisa publicada pelo Grupo de Trabalho para o Resgate da Educação do Japão diz que 31% das crianças do 1º ao 6º ano de escolaridade e 58% das que estão entre o 7º e o 9º ano usam o aparelho. Outro motivo é preencher o tempo livre no transporte público. E o terceiro, a necessidade dos jovens de se expressar. “A sociedade japonesa é opressora do individual em favor da mentalidade de grupo, e o keitai shosetsu é a válvula de escape”, afirma Donatella Natili, pesquisadora de literatura japonesa da Universidade de Brasília.

No Brasil, onde interação faz parte da cultura, a história é diferente. O celular é buscado não por meninas tímidas, mas por artistas com propostas inovadoras. Um deles é o paranaense Samir Mesquita. Ele começou sua carreira com um livro de contos tão minúsculo que cabia em embalagens de caixinhas de fósforo. Aos poucos, percebeu que sua concisão também cabia na telinha de um celular. Levou então o desafio mais longe. Agora está escrevendo um romance, que será impresso e trará alguns capítulos em SMS (mensagens de celular). Samir não está só. A carioca Josefina Mello, de 60 anos, mora em São José dos Campos, São Paulo, e é uma mulher antenada: tem Orkut, e-mail e vai à faculdade. Mais: ela também é poeta de celular. Em dezembro, foi convidada pela escritora e produtora cultural Beatriz Galvão para invadir as caixas de entrada de 150 celulares do Vale do Paraíba, com outros 11 poetas. “Para quem se acostumou a receber só mensagem da operadora, deparar com uma poesia causou surpresa”, diz Josefina. “Recebi e-mails com elogios de gente querendo ler o poema inteiro. Isso criou uma troca mais efetiva com os leitores”. Como ela, 30 autores enviaram microcontos por torpedo a 2 mil interessados, durante a Mostra Sesc de Artes de São Paulo de 2008.
Por Maria Alves
Referências : Revista da Cultura edição 22 - maio de 2009 página 12

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